30.8.11

era tanto tudo

por hora,
lido com nada


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(enquanto o fim de agosto não acaba, só os arquivos salvam)

9.8.11

Todo fim tem um começo

Era simplesmente insuportável o jeito como ela vinha agindo ultimamente. "Filha duma puta", ele pensava. Levantou a sobrancelha direita, contraiu os lábios, suspirou profundamente e voltou para aquele relatório interminável, que se tornava mais interminável a cada vez que ele repetia os mesmos movimentos de, como ele mesmo nomeara, 'superação mental'.
- Não dá mais, é o fim! -, falou, entre uma fórmula e outra do Excel.
- Acabou aí? -, perguntou o colega sentado na bainha 4, três ao lado na fileira de frente pra ele.
- Não e não vou acabar hoje! Vou resolver umas coisas aí! -, e puxou a bolsa-carteiro (uma de suas preciosidades) daquele espaço minúsculo, atirando para longe teclado, mouse e porta-lápis. Abaixou para pegar puto, mas imediatamente agradeceu quando percebeu que a caixa de clips continuava intacta, em cima da mesa.
Jogou tudo de qualquer jeito de volta no lugar e saiu.
No elevador, a mesma coisa de sempre: pessoas entrando e saindo, em silêncio absoluto, e quem ficava olhava fixamente para aquela tevê que, segundo ele, era uma das grandes invenções do ser humano: a tevê de elevador, salvação para a antiga interação obrigatória.
Desceu e, caminhando lentamente em direção ao seu carro, arquitetou minuciosamente seus próximos movimentos. "Eu vou olhar bem nos olhos dela, pra matar a desgraçada de culpa, e dizer que ela nunca mais vai encontrar alguém que goste tanto dela", pensou enquanto enfiava a mão no bolso direito da calça, sem encontrar nada. "Ela vai se arrepender de ter me ignorado assim", e passava os dedos pela costura de dentro do bolso, já sentindo o calor da raiva no rosto. "Eu quero ver ela ajoelhando na minha frente, pedindo perdão pelo amor de deus", e mais uma vez revirou os bolsos.
- CA-RA-LHO-DE-CHA-VE!!!, gritou enquanto socava o vidro do próprio carro, e sentiu as pernas amolecerem até perceber que não, não havia quebrado o vidro, ele estava intacto. De novo e mais uma vez puxou o máximo de ar que podia para dentro dos pulmões e deu meia volta, de volta ao elevador.
Apertou o botão e quinze horas se passaram entre o painel luminoso acima da porta retangular mostrar '17' e 'T'. Entrou e as mesmas notícias pareceram se repetir oito vezes naquela telinha plana. E assim o caminho havia sido todo repetido ao contrário: elevador, corredor, porta, "essa secretária velha e mal comida que me olha como se eu fosse um pedaço de carne barata", um labirinto de baias injustamente chamadas de mesas, e finalmente, mas nem por isso felizmente, seu cubículo.
"Cadê a porra da chave?", pensou quando olhou para a mesa e se lembrou da tragédia que havia acontecido poucos minutos antes: um grande emaranhado de fios, teclado, mouse... "Superação mental, superação mental" era o que se passava em sua cabeça enquanto se abaixava para fazer uma busca sob as mesas, pernas e fios. Três pessoas já engatinhavam pelo escritório, mobilizados pela altura com que bufava em busca daquele pequeno molho de chaves, quando o mesmo colega intrometido da baia 4 perguntou:
- Que foi, perdeu alguma coisa?
- As minhas chaves, acho que caíram quando tudo da minha mesa caiu.
- Ah! Estão aqui ó -, e apontou para o seu próprio pé.
"Não acredito que só agora esse filho da puta..." - AH, QUE BOM!, e engatinhou até lá, pegou as chaves, levantando e levando um tanto da beirada da mesa com sua cabeça. "...", foi só o que pensou.
E mais uma vez, respirou fundo, levantou a sobrancelha direita, contraiu os lábios, e se foi, em busca de sua glória.

- PERAÍ! -, gritou o cara da baia 4, já na lista dos próximos assassinatos que ele poderia cometer. Ele simplesmente ignorou, e continuou o labirinto em direção a porta, completamente surdo.
- TÁ SURDO? O CLIENTE TÁ NO TELEFONE! -, enquanto absolutamente toda e qualquer pessoa daquele lugar já havia parado de trabalhar e olhava para sua cara. Mas não se rendeu, e continuou a caminhar cada vez mais rápido.
- ELE QUER FALAR COM VOCÊ! DISSE QUE SABE QUE VOCÊ ESTÁ AQUI!
-TAMBÉM PORRA, VOCÊ TÁ GRITANDO PRA CARALHO, É CLARO QUE ELE SABE QUE EU TÔ AQUI!!! -, explodiu, e puxou a ligação do telefone da mesa mais próxima com força.
- Alô? Oi, sou eu sim. Não, não tem nada acontecendo aqui. Não, não vou conseguir enviar o relatório hoje. Estou com uns problemas pessoais e não vou poder term... Não, não tem ninguém morrendo, mas mesmo a... Não é adiável, eu n... Não, minha mãe já morreu há muitos anos, eu nã... OK! Envio o relatório a noit... No final da tarde estará aí.
"PORRA", e nada mais no pensamento, enquanto caminhava vergonhosamente de volta ao seu cubículo.
"Preciso resolver isso hoje, de uma vez por todas. Aquela desgraçada não pode ter nem mais um segundo de sossego no coração, eu quero que ela implore pelo meu amor, e eu vou dizer não, não te quero mais, você não vale nada!", e completava automaticamente as lacunas daquela planilha com fórmulas absolutamente complicadas."Como assim ela nunca mais me liga? Depois de tudo que aconteceu? Depois de todas as nossas declarações? Quem ela pensa que é?", e tentava focar em linhas, colunas, números e na tela super-brilhante do computador velho que tinham lhe arranjado, enquanto o seu estava no conserto. "Eu não aguento mais, meus pensamentos vão me matar!" e puxava o mouse que tinha o fio enrolado no do teclado e mal se movia na mesa. "Vai ser por telefone mesmo", e sacou o celular da bolsa-carteiro (se orgulhava da compra a cada vez que precisava da bolsa), digitou o número e esperou.
Tuuuu... tuuuuu... "Desgraçadaaa, me atendeeee" Tuuuu... "Vou desligar, cacete, não atende, não atende..." Tuuuu... "Não-a-ten-deeee" Tuu... - Alô?
- É.. alê.. não, alôo..
- Quem é Alê?
- Não, ninguém, me confundi com o alô, tudo bem? Tá bem?
- Ah! Oi, tudo bem, e você?
- Eu tô bem... 
- ...
- ...
- ...
- É.. Ahn... Não, é que, é, ahn, você tá bem?
- TÔ!
- Já perguntei né.. É... Você vai fazer alguma coisa hoje?
- Hoje eu tenho yoga.
- Ahn... Ah, verdade... E amanhã?
- Amanhã não, porque?
- Por que você não me ligou mais?
- Porque você me ligou naquela noite completamente bêbado e disse pra eu nunca mais procurar você.
- Que noite?
- Sábado passado.
- SÉRIO?
- É claro que é sério!
- Nossa... Nossa... Me desculpa!
- Por que você me ligou?
- Quer sair amanhã?
- Não.
- Não?
- Quero.
- Então sete e meia eu passo aí pra te pegar.
- Tá bom.
- Ahn... Então... tchau.
- Tchau.