28.12.11

emergência

são tantas
desconclusões
nesses tais
de fins de ano

que o céu
se enche
de água

para acalmar
a multidão
de espíritos

esbaforidos
e
esperansiosos
pela mesma
coisa

de novo

24.12.11

novamente na maquete

faz-se cheia
a lua nova
sacode
quem é de terra
envolve
quem é de saudade
permeia
a alma e me leva

pra longe
longe
longe

22.12.11

concluo ao não dormir

só encontra
a beleza
da própria
vida

aquele que enxerga
a escuridão
dos próprios
olhos

19.12.11

tarde de domingo

multicores que flutuam
enfeitam o céu
se passam por estrelas
se disfarçam de lua

passeiam
por entre as nuvens
por entre o amor
por entre os dedos
redondas e nuas

giram e voam
rolam e invadem
a casa
os prédios
o peito

e ascendem aos olhos
ao além
fazendo de uma
simples tarde de domingo

de amor e beleza
o tempo perfeito

15.12.11

a dialética matinal de dezembro

desperto
na antiga encruzilhada
ao som de línguas de fumaça

espero
enquanto trago meu cigarro
da vida algum compasso

entre a
vontade
e o
desejo

equilíbrio, sintonia
ou pelo  menos espaço
para a ânsia do devir
vir a ser, enfim,
inteiro,
e não simplesmente
pedaço

13.12.11

hiato

o tempo respira
poesia
pra dentro de mim

maturo sobre o lápis,
atônito,
o meu peso penso

rumino cada grama
de agora
no que resta
de papel
em branco
e penso

que de uma vida
já passada
resta só
o nada

e do que vai
e não foi
tenho a mim
e o que estou

...

e a poesia
desapegada do grafite
passeia em complacência
com o
nem antes
e
nem depois

desaguando sobre o instante
desaparece
logo após cada presente

e abandona
a lida
a vida
e o poema
sem nunca nem sequer
ter se feito
existente

4.11.11

2.11.11

Tédio

Passo pálida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela é! Parece morta!”
e eu que vou sonhando, vaga, absorta,
não tenho um gesto, ou um olhar sequer …

Que diga o mundo e a gente o que quiser!
– O que é que isso me faz? O que me importa? …
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!

O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!

E é tudo sempre o mesmo, eternamente …
O mesmo lago plácido, dormente …
E os dias, sempre os mesmos, a correr …

(Florbela Espanca - Livro de Mágoas)

17.10.11

estagnador de humor


se antes atingia o topo,
e a onda de outrora
tomava os pulmões,

separava os
braços ao lado do corpo
logo ali, no ápice

e voava de encontro ao fundo

para
ou cavar mais
com as unhas e os ossos
quebrados dos corpos
que ali ficavam,

ou tornar a escalar,
pouco a pouco,
pela livre e natural
sensação de vôo livre

hoje mal se pode encontrar
um medíocre monte,
(pelo bem da não-queda)

e esta meia escalada não seduz
ou ao menos convence

ou ilustra o poço como
mais atraente do que
esta miserável saltitação,

segura e cinzenta.

13.10.11

no pingo
de chuva
lá fora

des
espero
em mim

10.10.11

emparelhem as janelas abertas e não fechem as portas

a gaita e a brisa
ressoam nos cantos
do quarto, escuro:

é lua quase cheia,
é noite quase de lua.

26.9.11

de volta ao campo de batalha

vagarosamente se embrenhou pelas brechas da preguiça.
"eu não sou mais vulnerável", pensei. pena de mim.
ainda caminhava pela casa quando notei: cá estava de volta.

na horizontal é que ela ataca: primeiro as pernas, que não se cansam de não parar.
as pontas dos ossos dos joelhos despontam em agudos incômodos,
e dormem as coxas, as únicas que dormem.
depois a cabeça com sua recusa a encaixar-se no travesseiro.

e os braços. os braços que abraçam travesseiro, cabelos, lençol, joelhos,
e nada, só o nada do estômago e o tudo da cabeça.
os ruídos de assombração da pele contra a cama repassam
e atravessam os pulmões a cada entornada de corpo.

seu golpe de misericórdia é nas finas membranas dos olhos,
quando as pálpebras, que se estralam por todo o dia,
se calam e estalam, abertas, imóveis,
como um defunto de olhos arregalados.

mas é no ápice da luta que encontro sua falha:
os olhos, ardidos e alertas, expostos e vidrados,
buscam, aguardam e festejam:
a luz, que chega e atrapalha.

mas atrapalha somente quem dorme,
a mim não,
que gasto mais uma noite nesta maldita batalha.

20.9.11

pra concluir

a alma
saltadora
de princípios
e precipícios
paralizou

pairou
e pensou

voar
ei

mais uma
vez

15.9.11

ao deitar

meu céu da boca é um universo
constelado pelo infinito.

ora ou outra ultrapassa os limites
dos dentes, gengivas e lábios,
indispõe a minha língua,
perdida, coitada,
no meio de tanto espaço.

30.8.11

era tanto tudo

por hora,
lido com nada


_______________________________________
(enquanto o fim de agosto não acaba, só os arquivos salvam)

9.8.11

Todo fim tem um começo

Era simplesmente insuportável o jeito como ela vinha agindo ultimamente. "Filha duma puta", ele pensava. Levantou a sobrancelha direita, contraiu os lábios, suspirou profundamente e voltou para aquele relatório interminável, que se tornava mais interminável a cada vez que ele repetia os mesmos movimentos de, como ele mesmo nomeara, 'superação mental'.
- Não dá mais, é o fim! -, falou, entre uma fórmula e outra do Excel.
- Acabou aí? -, perguntou o colega sentado na bainha 4, três ao lado na fileira de frente pra ele.
- Não e não vou acabar hoje! Vou resolver umas coisas aí! -, e puxou a bolsa-carteiro (uma de suas preciosidades) daquele espaço minúsculo, atirando para longe teclado, mouse e porta-lápis. Abaixou para pegar puto, mas imediatamente agradeceu quando percebeu que a caixa de clips continuava intacta, em cima da mesa.
Jogou tudo de qualquer jeito de volta no lugar e saiu.
No elevador, a mesma coisa de sempre: pessoas entrando e saindo, em silêncio absoluto, e quem ficava olhava fixamente para aquela tevê que, segundo ele, era uma das grandes invenções do ser humano: a tevê de elevador, salvação para a antiga interação obrigatória.
Desceu e, caminhando lentamente em direção ao seu carro, arquitetou minuciosamente seus próximos movimentos. "Eu vou olhar bem nos olhos dela, pra matar a desgraçada de culpa, e dizer que ela nunca mais vai encontrar alguém que goste tanto dela", pensou enquanto enfiava a mão no bolso direito da calça, sem encontrar nada. "Ela vai se arrepender de ter me ignorado assim", e passava os dedos pela costura de dentro do bolso, já sentindo o calor da raiva no rosto. "Eu quero ver ela ajoelhando na minha frente, pedindo perdão pelo amor de deus", e mais uma vez revirou os bolsos.
- CA-RA-LHO-DE-CHA-VE!!!, gritou enquanto socava o vidro do próprio carro, e sentiu as pernas amolecerem até perceber que não, não havia quebrado o vidro, ele estava intacto. De novo e mais uma vez puxou o máximo de ar que podia para dentro dos pulmões e deu meia volta, de volta ao elevador.
Apertou o botão e quinze horas se passaram entre o painel luminoso acima da porta retangular mostrar '17' e 'T'. Entrou e as mesmas notícias pareceram se repetir oito vezes naquela telinha plana. E assim o caminho havia sido todo repetido ao contrário: elevador, corredor, porta, "essa secretária velha e mal comida que me olha como se eu fosse um pedaço de carne barata", um labirinto de baias injustamente chamadas de mesas, e finalmente, mas nem por isso felizmente, seu cubículo.
"Cadê a porra da chave?", pensou quando olhou para a mesa e se lembrou da tragédia que havia acontecido poucos minutos antes: um grande emaranhado de fios, teclado, mouse... "Superação mental, superação mental" era o que se passava em sua cabeça enquanto se abaixava para fazer uma busca sob as mesas, pernas e fios. Três pessoas já engatinhavam pelo escritório, mobilizados pela altura com que bufava em busca daquele pequeno molho de chaves, quando o mesmo colega intrometido da baia 4 perguntou:
- Que foi, perdeu alguma coisa?
- As minhas chaves, acho que caíram quando tudo da minha mesa caiu.
- Ah! Estão aqui ó -, e apontou para o seu próprio pé.
"Não acredito que só agora esse filho da puta..." - AH, QUE BOM!, e engatinhou até lá, pegou as chaves, levantando e levando um tanto da beirada da mesa com sua cabeça. "...", foi só o que pensou.
E mais uma vez, respirou fundo, levantou a sobrancelha direita, contraiu os lábios, e se foi, em busca de sua glória.

- PERAÍ! -, gritou o cara da baia 4, já na lista dos próximos assassinatos que ele poderia cometer. Ele simplesmente ignorou, e continuou o labirinto em direção a porta, completamente surdo.
- TÁ SURDO? O CLIENTE TÁ NO TELEFONE! -, enquanto absolutamente toda e qualquer pessoa daquele lugar já havia parado de trabalhar e olhava para sua cara. Mas não se rendeu, e continuou a caminhar cada vez mais rápido.
- ELE QUER FALAR COM VOCÊ! DISSE QUE SABE QUE VOCÊ ESTÁ AQUI!
-TAMBÉM PORRA, VOCÊ TÁ GRITANDO PRA CARALHO, É CLARO QUE ELE SABE QUE EU TÔ AQUI!!! -, explodiu, e puxou a ligação do telefone da mesa mais próxima com força.
- Alô? Oi, sou eu sim. Não, não tem nada acontecendo aqui. Não, não vou conseguir enviar o relatório hoje. Estou com uns problemas pessoais e não vou poder term... Não, não tem ninguém morrendo, mas mesmo a... Não é adiável, eu n... Não, minha mãe já morreu há muitos anos, eu nã... OK! Envio o relatório a noit... No final da tarde estará aí.
"PORRA", e nada mais no pensamento, enquanto caminhava vergonhosamente de volta ao seu cubículo.
"Preciso resolver isso hoje, de uma vez por todas. Aquela desgraçada não pode ter nem mais um segundo de sossego no coração, eu quero que ela implore pelo meu amor, e eu vou dizer não, não te quero mais, você não vale nada!", e completava automaticamente as lacunas daquela planilha com fórmulas absolutamente complicadas."Como assim ela nunca mais me liga? Depois de tudo que aconteceu? Depois de todas as nossas declarações? Quem ela pensa que é?", e tentava focar em linhas, colunas, números e na tela super-brilhante do computador velho que tinham lhe arranjado, enquanto o seu estava no conserto. "Eu não aguento mais, meus pensamentos vão me matar!" e puxava o mouse que tinha o fio enrolado no do teclado e mal se movia na mesa. "Vai ser por telefone mesmo", e sacou o celular da bolsa-carteiro (se orgulhava da compra a cada vez que precisava da bolsa), digitou o número e esperou.
Tuuuu... tuuuuu... "Desgraçadaaa, me atendeeee" Tuuuu... "Vou desligar, cacete, não atende, não atende..." Tuuuu... "Não-a-ten-deeee" Tuu... - Alô?
- É.. alê.. não, alôo..
- Quem é Alê?
- Não, ninguém, me confundi com o alô, tudo bem? Tá bem?
- Ah! Oi, tudo bem, e você?
- Eu tô bem... 
- ...
- ...
- ...
- É.. Ahn... Não, é que, é, ahn, você tá bem?
- TÔ!
- Já perguntei né.. É... Você vai fazer alguma coisa hoje?
- Hoje eu tenho yoga.
- Ahn... Ah, verdade... E amanhã?
- Amanhã não, porque?
- Por que você não me ligou mais?
- Porque você me ligou naquela noite completamente bêbado e disse pra eu nunca mais procurar você.
- Que noite?
- Sábado passado.
- SÉRIO?
- É claro que é sério!
- Nossa... Nossa... Me desculpa!
- Por que você me ligou?
- Quer sair amanhã?
- Não.
- Não?
- Quero.
- Então sete e meia eu passo aí pra te pegar.
- Tá bom.
- Ahn... Então... tchau.
- Tchau.

28.7.11

mais uma de desamor

- Ele andava meio estranho mesmo, já faz um tempo...
- Mas e aí, sumiu e ponto? Nunca mais voltou?
- É o que dizem. Parece que tava com coisa demais na cabeça, briga no escritório, a grana tava curta, e ele ficou meio doido da cabeça com aquele namoro novo dele.
- O pela internet?
- Ahan. Dizem que ele nunca tinha namorado, ele falava que nunca tinha gostado de nenhuma mulher, que mulher é muito cheia de coisa, sei lá.
- Mas e o namoro?
- Ah, acho que ela deu um pé nele.
- Pela internet também?
- Hahaha, acho que sim, né?
- E quem que vai entrar no lugar dele aqui?
- Ah, isso aí eu já não sei não, eu não sei nem muito bem o que ele fazia.
- Mas e aí, e o namoro, que mais cê sabe?
- Cara, eu sei que eles se conheceram na internet há uns meses, namoravam assim, e que eles tinham se encontrado algumas vezes, mas depois disso acho que não rolou mais nada.
- Mas é muito estranho ele ter sumido assim, sem deixar bilhete, recado, nem nada. Será que foi sequestro?
- Eu acho que não, porque os caras do bar ali de baixo disseram que ele passou lá essas noites atrás, com uma mochila enorme nas costas, pediu uma cachaça, virou de uma vez só e foi embora.
- Ele falou alguma coisa?
- O cara me contou que ele pediu a cachaça e disse que era pra se preparar pro que ele tinha pra falar.
- Meu deus, que mistério.
- Pois é...
...
Chegou na rodoviária às dez da noite, e o próximo ônibus saía às três e quarenta e cinco da manhã, mas é claro que não conseguia parar e dormir sentado, e nem tinha pensado nisso, pra dizer a verdade. Era a primeira vez que se apaixonava. Nunca havia se sentido tão estranho, achava incômodo, estranho, horrível, sentia que os olhos fechavam-se involuntariamente e tinha aquele ardor caloroso no peito toda hora, ele não conseguia nem ao menos tentar parar de pensar nela. Enquanto andava, ia criando histórias mentais dele ao lado dela e se arrepiava quando pensava no quanto se encaixavam perfeitamente.
Os diálogos que se passavam entre o cérebro e o pensamento dele culminavam em discussões, contradições e pontos de vistas diferentes tão eternos que ele desistia de tentar acompanhar, e acabava fadado a não conseguir pensar em mais nada além disso. Sentia o cheiro dela, inventado numa mistura de memória com ficção mental, e parecia derreter dentro de si mesmo. A única certeza que havia dentro daquele corpo permeado por obsessão era de que sem aquela mulher sua vida simplesmente não era.
...
- Então, ele veio ou não veio?
- Veio, você acredita?
- Mas você não disse pra ele não vir, filha?
- Disse, disse que já fazia tanto tempo que a gente tinha acabado tudo que não tinha porque ele vir até aqui pra me dizer o que ele queria me dizer.
- Você não foi clara com ele, devia ter dito que não queria que ele viesse e ponto.
- Ele disse que tinha uma coisa pra me falar, e que só falava se fosse pessoalmente.
- Mandasse ele falar por telefone mesmo e não vir aqui!
- Ah, ando tão carente que acabei não falando mais nada na hora. Acho que é bom saber que alguém gosta de você, que viaja horas e horas só pra te dizer alguma coisa.
- E ele disse, afinal?
- Disse.
- E?
- Ele disse que não podia viver se não fosse junto comigo.
- E?
- E só.
- E o que que você disse?
- Que ele não precisava ter vindo até aqui pra falar isso, que eu não podia viver junto com ele porque eu não gosto dele, e que ele ia ter que ir embora.
- Aí ele foi embora e por isso você está com toda essa desanimação?
- Ah, não. Mas, sei lá, eu sabia que ele ia falar alguma coisa do tipo, mas do jeito que ele disse isso, parecia ser de verdade, sabe?
- É claro que é de verdade, ele veio até aqui só pra falar isso!
- É, né?
- É, menina, esquece isso e vamos pegar mais uma bebida...

26.7.11

joelhos

dois corpos sinuosos
insinuam-se, nus

navegam e flutuam
ao relento, plenos

espia-se pela janela
as bocas imóveis, distantes

querendo um ao outro,
amando a si mesmos

e sem ao menos um toque
dançam, quase que completos

22.7.11

e essas pernas, que não param

ando tão sem vergonha,
sem decência,
sem nenhuma inocência

estes pés que vejo daqui,
pesados e parados,
andam a me incomodar

preciso tomar um ar,
um tanto de mar,
uma vida, uma morte,
uma porra de um porre

pra ver se passa,
se eu passo,
se este espaço permeado
por tédio interno
se dispersa por aí

e se perde,
ou me pede
pra eu mudar
tudo de novo

11.7.11

pelos caminhos que fiz

um espaço
antes não
vazio
constitui-se
hoje
de nada
mais que uma
imagem
mental,
de antigas
alegrias e
sensações
ainda frescas
entre
meus dedos

29.6.11

ânsia

buraco no peito
negro e infinito
tangendo por dentro
o muito que sinto

26.6.11

que se danem as boas notícias

menina danada
deseja com tudo
saltar os segundos

infla o peito e
meio sem jeito
rouba o tempo
de todo o mundo

deixando-no
totalmente desnudo

tirando-lhe
o poder ser defunto

ainda que não possa
ainda que não queira

anseia pelo futuro
como quem espera
o fim de uma viagem errada

espera pela vida
como quem dela sabe
que não se pode
esperar nada

17.6.11

aurora

um agudo
atravessa a
imensidão

pequeno
pesadelo
perdido esse
passado que
perfura o
coração

desperto e
procuro
por toda
parte o
pedaço que
partiu e
padeceu

se me perco
por aí é
porque
prefiro
pensar que
pelo menos quem
partiu
fui eu

13.6.11

dois

lá vem ele
novamente
revirando
carcaças
no avesso

entupindo
delicadas
bolhas
de alma
de ar

esculpindo
obscuros
sentidos e
direções
perigosas

onde
nunca
nada
houve

nem
nunca
nada
haverá

6.6.11

encaixotando

quanto tempo
já se passou
depois de
tudo aquilo?

quanto medo
já passamos
depois de pensar
que iríamos
morrer de medo?

quantas cartas
já foram escritas
depois de escrever
aquela última?

quanto tempo
já se passou
depois de
pensar em
não passar
nem mais
um segundo
de tempo?

quantos mortos
já morreram
depois daquela
que nunca se foi?

e depois de tudo,
depois de tanta coisa,
só ficaram
os rastros
e os ratos
da desistência
frustrada
e da vida
densa
e pesada

e no fim,
só ficaram os ratos.

26.5.11

simples assim

o incômodo
que em mim
existe
em mim
insiste
em existir

25.5.11

menos um

desabrocha
e rasga o corpo
a flor da pele

percebe cada
irritante sopro
do ser e estar

explora cada canto
com as pernas
da cama

troca a ordem
infla o peito
isola a alma
e perde o ar

11.5.11

resiliência

em cada espaço
de tempo

um passo
em falso,
a quebra
de um laço

e o encanto
do tempo
que passa

deixando pra trás
somente
seu rastro

e alguns lapsos
enganados
do passado

4.5.11

apocalipse

imagine tudo que possa existir,
qualquer coisa que possa acontecer.
quando tudo já tiver existido,
qualquer coisa acontecido,
chegaremos – o todo – ao fim
ao nada

28.4.11

r: na atmosfera

duas superfícies multicoloridas
encostam-se delicadamente,
à beira do rompimento
e de tornarem-se mundo,
espiam seus desenhos
e inventam cores,
criando formas
e memórias,
no ar
...


[postado no dia 17.03.09]

21.4.11

equinócio XXIII

de hoje
em diante
não mais sentirei
saudades do tempo
que de mim
me retirei

deste instante
em diante
junto tudo que é meu
e o que um dia já foi eu

as mãos em mim marcadas
as roupas mal lavadas
as paredes rabiscadas
e transformo em passado

os rostos,
os gostos,
os outros,
e costuro lado a lado

moldo sobre a pele
sobre as linhas já formadas
cubro todo o corpo usado
e limito o tracejado

no que fui
no que sou
e no pouco que restou
do que ainda não passou

hoje,
em mim,
o corpo encontra,
enfim,
sua forma eterna:

um suspiro,
um fracasso,
um lampejo,
um acaso.

19.4.11

o meu amor

daqui, deitada,
vejo os meus pés,
e escuto ele, ali na sala,
sendo tudo
o que eu sempre quis.

18.4.11

sob a fina superfície

uma bolha
instalou-se
dentro
do meu peito

tentei dar
um jeito
um tempo
um trago
um dois
e não teve
conserto

explodi
feito bolha

9.4.11

pensando em lispector

em algum momento,
num deslize de memória,
esqueci minha alegria
em um lugar qualquer.

perdi a graça,
perdi a vontade,
junto a todas
as minhas resoluções.

eu só não perco o pensamento,
que vai sempre aonde quiser.

escapa aos limites,
escapa à resiliência,
mas nunca,
nunca escapa a mim.

3.4.11

confesso que

da tristeza,
de não mais mergulhar em águas profundas,
tão turvas que impedem o enxergar,
mas que tocam cada pedaço de corpo e de alma,
e tomam por inteiro,
explodem o coração e
definem o ser
como nada

à alegria
de não voar ao mais longínquo inferno,
e sentir a pele em chamas,
as pernas em sangue,
e o pensamento em surto,
simplesmente sendo tudo,

continuo pairando por aí,
vazia e incolor,
como um fantasma do que já foi,
lapsando brisas do que poderia ser,
mas não é
e não mais será.

é uma pena ter de escolher
entre o existir
e o ser.
uma pena.

24.3.11

Reflexo e reflexivo

A situação já podia chamar-se insustentável. Ele a olhava, profundamente, como - tinha certeza disso - ninguém mais o fazia. Havia decorado cada movimento daquele corpo. Sabia exatamente como cada fio de cabelo caía sobre seus ombros, podia descrever cada espaço de pele de suas pernas, braços, peitos, sem nunca ao menos tê-los visto nus.
Ela se aproximou, quase que maldosamente, e falou ao pé de seu ouvido: - você é o melhor amigo que já tive. E sussurrou "por favor, não vá embora". Levantou-se, andou em direção à vitrola - um andar sensualmente desajeitado - e colocou o som eleito pelos dois como sua música - I Need Somebody, Iggy and the Stooges, Raw Power, 1973.
Ele, sentado no sofá, atônito, sentindo seu coração bater na garganta, observava. "E se nós fugíssemos?", falou, de sopetão. Só pôde ver os olhos semi-cerrados o mirando - como, ele também tinha certeza, somente ela o fazia - . Não pôde subentender nada. "Vamos?", perguntou novamente, sem saber o porquê de suas próprias perguntas.
"Prá onde?", e um sorriso de canto de boca foram suas respostas.
"Para onde ninguém possa nos ver, para sermos plenos, ao menos por um instante".
"Porque você não é pleno?"
Sua plenitude estava intimamente ligada à possibilidade contínua de dizer que a amava, e de beijá-la e tocá-la a qualquer momento. É, não era pleno. "E você é?", foi a única resposta a minar de seus confusos pensamentos. Só podia desafiá-la, só queria desafiá-la. Queria duvidar de suas intenções, e descobrir, assim, que eram as mesmas que as dele. Mas congelou em seu medo.
"Sou", mentiu. Ambos sabiam de sua mentira. Mas ela não podia e não queria descer do alto de sua perfeição, tão bem projetada por ele. Não era nada plena, atuava todo o tempo. Gozava de sua posição sublime e superior, e não queria que ele pudesse perceber o quão imperfeita era, na verdade. O quão tocável era.
O clima que se seguiu denunciava a decepção mútua. Ele tentava com todas suas forças se convencer de que ela não havia mentido, de que sua resposta era só mais uma das infinitas - e perfeitas - facetas de sua eterna sublimação. Ela acreditava, dentro do buraco de sua alma, que a plenitude dele se constituia, essencialmente, da adoração que o levava a se convencer de sua falsa sinceridade.
Aquela conversa havia terminado com a magia que antes pairava no ar. Ele se arrependeu daquele segundo em que não pôde segurar sua pergunta dentro da boca. Ela se arrependeu dos pedidos que fez ao pé do ouvido dele. Queria, mais do que qualquer coisa naquele instante, que ele a deixasse no alto do seu pedestal, que fosse embora. Que nunca mais aparecesse. Teve raiva por ele tê-la arrancado de lá do alto. Virou-se para desligar a vitrola, e disse que ia dormir. A vitrola gritou o que restava da Death Trip. "You'll stick me, I say I'll rip you". Mal pôde vê-lo saindo pela porta. Mal pôde dizer adeus.

10.3.11

sustentando o infinito

não era questão
de loucura.
ele
simplesmente
se encantava
com todas as possibilidades.

imagine
você:
somos um empilhado
de carbono e outros átomos,
um monte de sistemas
funcionando,
perfeitamente sincronizados,
pensando, fingindo,
nos diferenciando,
mentindo,
ocupando um planeta,
construindo e destruindo.

tudo isso
nas seguintes dimensões:
toda hora,
agora é recomeço.
(e agora já não é mais,
nem hora,
e nem agora)

1.3.11

em busca da instabilidade

sentada, sentindo o colo quente, a brisa fresca, e os olhos a queimar
espremo o pouco que restou fora da normalidade

dou um pega na loucura
pra ver se a inspiração
para logo de frescura
e volta aqui pro meu lado,
deixa o mundo engraçado,
os ossos mais gelados,
o pensamento exagerado
sem alguma continuação

e qualquer que seja o tropeço,
ao menos um leve desequilíbrio,
qualquer coisa eu esqueço

somente as tragédias mentais
criam uma rede neural
cimentada
e nada mais

e o vício segue
por este caminho
traz pra cima o que afunda,

e afunda qualquer coisa
que, por qualquer acaso,
me traga
ou que eu trago
aqui comigo

3.2.11

o cheiro do outro

do bafo, do rastro,
da roupa, da louça,
dos cabelos,
dos pêlos,
do sovaco, dos braços,
do chiclete, dos dentes,
do chulé, do outro.

o cheiro do outro
que não é o outro,
que é qualquer um,
raramente agrada.
a mais leve respiração,
ainda que não se sinta
um nada de brisa,
embrulha a barriga.

a roupa mal sêca,
as mãos que escorrem,
o perfume barato,
a permanente capilar.
no suor permanente,
a ânsia
do vômito
e a de teleportar.

mas o cheiro do outro,
do outro que é meu,
e que quase sou eu,
embrulha o estômago
na ânsia de encontrar.

o cheiro do meu outro
não encontro no ônibus,
na fila,
nesta esquina,
ou naquela,
ou acolá.

está aqui,
no ar das narinas,
nas lembranças,
na saudade,
nas roupas da memória,
no mais simples
pensar.

18.1.11

vinte e poucos

vejo o tempo
se gastando.
crescendo de um lado,
acabando do outro.
expandindo e implodindo.

vejo as peles
caindo.
esticando para baixo,
amolecendo para cima.
manchando e se partindo.

vejo os amigos
caminhando.
deixo dez para trás,
acho um para frente.
insistindo e desistindo.

vejo a vida
descolorindo.
nuvens negras em dias claros,
sol e chuva, arco-íris.
percebendo e existindo.