26.3.12

onde não há aqui

o calendário pendurado na parede anunciava a chegada da semana santa, mas não se via sinal de ressurreição em lugar algum. homens e mulheres crucificados tomavam conta de sua visão turva, já desgastada pelo sol e pelo tempo, e a aridez de mais uma seca havia tomado não só suas terras e esperanças, mas invadira também o seu coração.
- todo ano é a mesma coisa.
- e nós devemos continuar esperando sempre o mesmo?
- não devemos, mas não temos escolha.
- mas a esperança não tem a ver com esperar algo melhor?
- a esperança nunca chegou até aqui.
de olhos fechados na rede velha e empoeirada, amarela como todo o cenário dentro e fora da janela, só podia pensar em uma única palavra: devastação. estava tudo devastado mais uma vez. só a apatia sobrevivia, ano após ano.
batendo seu pé na parede de barro, quente do sol, sentia uma leve brisa da rede balançando de um lado para o outro, enquanto alimentava a única espera - e não esperança - dentro de si: a espera pela morte breve, pelo alívio que só a morte traria. abriu seus olhos e encarou o calendário do ano de 2012 da parede. estaria mesmo em 2012, ou até o tempo havia esquecido daquele lugar?
- a ressurreição só existe em um calendário inventado. nem mesmo jesus lembraria desse pedaço esquecido de terra, e eu, já nem sei mais onde estou.

19.3.12

canção culpada

diz-se certo por não duvidar de si mesmo,
ou vívido, por noites em claro
na solidão da própria loucura.

quanta vividez há, afinal,
em um corpo que só emite,
não transmite ou recebe
qualquer coisa alguma?

se a culpa é toda do outro,
só uma certeza reside
no corpo que sem a alma
afunda em profunda amargura.

o certo é que essa certeza,
somada ao excesso do eu-mesmo,
é a do vazio que ocupa o espaço
da falta da própria culpa.

13.3.12

é preciso se entregar

6.3.12

golfo da madrugada

vivo de encontro
ao alto

desacreditando
gravidade
intuindo
o futuro
precipitando
realidade
e abismando
no meu mundo