21.12.10

afetuoso ácido

a essa selvajaria que só cabe a nós,
almas inabitadas por si mesmas,
criando-se em própria selva,
explicações nunca bastam,
e respostas não convencem.

selváticas impressões intensas,
de apáticas e preguiçosas reações,
colorem por dentro o que acinzentam por fora,
e brilham os olhos, de pálpebras fechadas.

10.11.10

otimismo banal

passo os dias em frente a essa fina e resistente camada de vidro - a janela do prédio comercial da rua federação. ao fundo, vejo uma pequena luzinha piscando insistentemente, dia após dia, hora após hora. uma piscada a cada cinco segundos. a cada cinco segundos, ela pisca para mim (tem que ser para mim, ela pica a todo momento, e a todo momento estou olhando para ela, e ela piscando para mim). enquanto me incomodo com as grossas camadas de poeira, poluição e todas as coisas que flutuam nesta atmosfera cinzenta, lá está ela, brilhando de tempos em tempos. hoje o céu está completamente tomado por nuvens escuras, que se confundem em fumaça, vapor e pequenas gotículas de azul, as quais mal dá para se enxergar. mas nada disso importa, pois todos os dias, enquanto eu estiver aqui, ela está lá, piscando, brilhando, e me lembrando que, mesmo não parecendo, há um ponto de luz, sempre, piscando, para mim.

9.11.10

pessimismo existencial

aqui estou eu,
sentada neste banquinho,
sobre esta mesa
onde tantos vomitaram suas almas,
aceleraram seus corpos
e exercitaram suas mentes.

cá estou,
morrendo,
como todo e qualquer ser vivo por aí fora.
acabando,
como toda e qualquer coisa deste mundo.
percebendo.
(tantas formas nascendo, e tantas deixando de existir...)

enquanto isso, estou aqui,
somente variando
entre a dor
e o furor de viver.

22.8.10

precisão

de repente, o estranhamento.
"sempre chega a hora de pensar na vida"

16.8.10

a flor

diante de uma nova janela
airoso sol de inverno
neste lugar imposto
pelo que antes não existia
e que agora é (quase) tudo o que há

passo os olhos por esquemas lógicos
verbalizações do irreal
refletindo esse suposto axioma
o qual nomeamos universo

e pensar que duvidava
do lasso caminhar
dessas frouxas pernas

por agora, ando só
lavando partes de mim

torcendo pelo
apressar do tempo

(até que eu possa
acenar com a cabeça
ver seu sorriso de volta
te pedir para entrar, sentar,
e aqui, comigo, ficar)

12.8.10

acúmulo de mim

eu olho para dentro
e vejo fogo
eu tenho fogo nos olhos
prestes, sempre prestes

próxima
a explosão
a temperatura se eleva
e então cada minúsculo pedaço
se agita e não se aguenta
só o que tem dentro não dá
e na luta pelos mesmos
espaços
se
batem
e se atiram em direção ao espaço
para ocupar outros pedaços
em qualquer lugar por aí
e carregam cada sólido a frente

e o vazio
continua
aqui

10.8.10

perdão pela ausência

tenho vomitado
antes de chegar aqui

21.7.10

capa de equilíbrio

eu vivo esperando a tragédia
um fim para o que eu comecei
e o começo do que eu não sei

infelizmente
eu vivo
esperando

5.7.10

castas

por onde escorrem a verdade e a dor
o simples não passa
pura arrogância

23.6.10

negras bochechas

saltei de uma flor
que tornou
pedra redonda
e rolou
descontrolada
mente
ladeira abaixo

2.6.10

eu

s.m.
1.pequeno monstro.

1.5.10

cheiro de lua e noite de morte

sem qualquer adeus, após dias de eternos adeus, o cão se foi.

18.4.10

chicanos

na noite passada
pensei muito
bem
na vida.

14.4.10

sempre eterno e nunca terno

desses dias em que não se sabe
se é melhor não acordar e dormir eternamente,
ou acordar e ignorar
todo o eterno dia que vem pela frente.

26.3.10

e-i

tão longe de madura,
não pôde notar a sutil
diferença
entre devir e dever

(e agora insiste que deve ser,
venha o que vier)

18.3.10

em meio ao silêncio

e todas as portas abertas se fecharam novamente,
e tudo que estava amarelo se tornou azul mais uma vez,
e o que se manteve seco estava a se encharcar,
o que esteve intacto voltava a se arranhar,
o que ressurgiu tornava a morrer,
e a respiração se perdia,
sempre se perdendo.

espiando para dentro

numa noite fresca como esta uma menina chorava por não conter tanto amor àquele alguém.

14.3.10

tão longe esta mente foi parar que já não se encontra com os pensamentos soltos por aqui.

27.2.10

nos tempos da verdade

vou reconquistar a amizade dos meus poemas,
refazer a relação entre mim e os papéis,
torná-los próximos novamente
(mas não deixar que se tornem tão íntimos como antes,
eles não sabem guardar segredos,
mesmo guardando todos os meus).

vou provar que já não sou mais aquela,
não os farei mais sangrar sem um herói,
ou matar sem um vilão.

sem mais cabelos arrancados
ou garrafas vazias em vão.

e vou seduzí-los, tapeá-los, enganá-los, manipulá-los
e não mais a mim mesma.

25.2.10

reconstrução I

tanta poeira nessas caixas de velhas, tantas promessas de infinitude, tantas declarações de eternidade, e que eu nunca tentei impedir que fossem, e que foram, embora, infinitos e eternos.

24.2.10

às margens de mim mesma
me agarro a todo o nada
e só o que me impede a queda
é o peso de todo o tudo

procuro por metáforas
tento a não-exposição
me escondo
e só me acho,
não me encontro.

6.2.10

o rato de laboratório

armou-se com todo o necessário para escalar o precipício novamente
(planejava atingir o topo e ao menos dessa vez, não abrir os braços e deixar-se cair)
mas abandonou-se, e não se encontrava mais, em lugar algum.

25.1.10

desistindo

vomitando medo
e chorando desespero
eu só quero sair daqui de dentro.

21.1.10

triste tom de anis

vejo cor e poesia em todas as coisas que percebo, percebo cor e poesia em tudo que vejo. a cor do som que as palavras têm, delicadamente empilhadas umas sobre as outras, em formas que guiam o sentimento, antes do poeta, agora de quem lê.
a poesia nos encontros e na energia trocada e dispensada pelo universo. sutilidade em expressões íntimas. o púrpura acinzentado da minha alma, o gelo monótono do cotidiano entediante.
o mundo e as essências intrínsecas em cada conjunto, o conjunto que cada pessoa forma em si mesma, a expressão de todo interno se esvai em ondas multicoloridas baseada num único tom, ditado pelo todo que se move ou paira sobre o mesmo espaço.
sinto cor e poesia por onde passo e onde estou. na rara plenitude do amarelo alaranjado encontro o desejo de seguir, os intensos azuis escancaram o belo, as palavras e as cores trocam intenções e flutuam numa dança por entre o vazio.
mas a poesia colorida do dia-a-dia nem sempre é bonita. dança passos tortos e descompassados diante de mim, clama por minha razão tão mundana e perdida, atrai o que há de triste para fora, e deixa só esse rastro de melancolia, que aqui sempre esteve, e não se vai, nem ao menos através de minha própria poesia.

20.1.10

humanidade intocável

por todos os cantos
me vejo pisando
em cada subida
ganho o quando
mas despenco, e caída
me calo, afogando

18.1.10

sob a luz de velas, ao som de um jazz, e num copo de vinho, pensei

que se escrevesse sobre o que vem de fora,
e não o que sai de dentro
faria muito mais sucesso.

11.1.10

pequenino banco de minúsculas mágoas

de beliscadinha em beliscadinha,
arrancou tudo que eu tinha
à frente do coração

chegando lá,
ele já havia parado de bater.