28.7.11

mais uma de desamor

- Ele andava meio estranho mesmo, já faz um tempo...
- Mas e aí, sumiu e ponto? Nunca mais voltou?
- É o que dizem. Parece que tava com coisa demais na cabeça, briga no escritório, a grana tava curta, e ele ficou meio doido da cabeça com aquele namoro novo dele.
- O pela internet?
- Ahan. Dizem que ele nunca tinha namorado, ele falava que nunca tinha gostado de nenhuma mulher, que mulher é muito cheia de coisa, sei lá.
- Mas e o namoro?
- Ah, acho que ela deu um pé nele.
- Pela internet também?
- Hahaha, acho que sim, né?
- E quem que vai entrar no lugar dele aqui?
- Ah, isso aí eu já não sei não, eu não sei nem muito bem o que ele fazia.
- Mas e aí, e o namoro, que mais cê sabe?
- Cara, eu sei que eles se conheceram na internet há uns meses, namoravam assim, e que eles tinham se encontrado algumas vezes, mas depois disso acho que não rolou mais nada.
- Mas é muito estranho ele ter sumido assim, sem deixar bilhete, recado, nem nada. Será que foi sequestro?
- Eu acho que não, porque os caras do bar ali de baixo disseram que ele passou lá essas noites atrás, com uma mochila enorme nas costas, pediu uma cachaça, virou de uma vez só e foi embora.
- Ele falou alguma coisa?
- O cara me contou que ele pediu a cachaça e disse que era pra se preparar pro que ele tinha pra falar.
- Meu deus, que mistério.
- Pois é...
...
Chegou na rodoviária às dez da noite, e o próximo ônibus saía às três e quarenta e cinco da manhã, mas é claro que não conseguia parar e dormir sentado, e nem tinha pensado nisso, pra dizer a verdade. Era a primeira vez que se apaixonava. Nunca havia se sentido tão estranho, achava incômodo, estranho, horrível, sentia que os olhos fechavam-se involuntariamente e tinha aquele ardor caloroso no peito toda hora, ele não conseguia nem ao menos tentar parar de pensar nela. Enquanto andava, ia criando histórias mentais dele ao lado dela e se arrepiava quando pensava no quanto se encaixavam perfeitamente.
Os diálogos que se passavam entre o cérebro e o pensamento dele culminavam em discussões, contradições e pontos de vistas diferentes tão eternos que ele desistia de tentar acompanhar, e acabava fadado a não conseguir pensar em mais nada além disso. Sentia o cheiro dela, inventado numa mistura de memória com ficção mental, e parecia derreter dentro de si mesmo. A única certeza que havia dentro daquele corpo permeado por obsessão era de que sem aquela mulher sua vida simplesmente não era.
...
- Então, ele veio ou não veio?
- Veio, você acredita?
- Mas você não disse pra ele não vir, filha?
- Disse, disse que já fazia tanto tempo que a gente tinha acabado tudo que não tinha porque ele vir até aqui pra me dizer o que ele queria me dizer.
- Você não foi clara com ele, devia ter dito que não queria que ele viesse e ponto.
- Ele disse que tinha uma coisa pra me falar, e que só falava se fosse pessoalmente.
- Mandasse ele falar por telefone mesmo e não vir aqui!
- Ah, ando tão carente que acabei não falando mais nada na hora. Acho que é bom saber que alguém gosta de você, que viaja horas e horas só pra te dizer alguma coisa.
- E ele disse, afinal?
- Disse.
- E?
- Ele disse que não podia viver se não fosse junto comigo.
- E?
- E só.
- E o que que você disse?
- Que ele não precisava ter vindo até aqui pra falar isso, que eu não podia viver junto com ele porque eu não gosto dele, e que ele ia ter que ir embora.
- Aí ele foi embora e por isso você está com toda essa desanimação?
- Ah, não. Mas, sei lá, eu sabia que ele ia falar alguma coisa do tipo, mas do jeito que ele disse isso, parecia ser de verdade, sabe?
- É claro que é de verdade, ele veio até aqui só pra falar isso!
- É, né?
- É, menina, esquece isso e vamos pegar mais uma bebida...

26.7.11

joelhos

dois corpos sinuosos
insinuam-se, nus

navegam e flutuam
ao relento, plenos

espia-se pela janela
as bocas imóveis, distantes

querendo um ao outro,
amando a si mesmos

e sem ao menos um toque
dançam, quase que completos

22.7.11

e essas pernas, que não param

ando tão sem vergonha,
sem decência,
sem nenhuma inocência

estes pés que vejo daqui,
pesados e parados,
andam a me incomodar

preciso tomar um ar,
um tanto de mar,
uma vida, uma morte,
uma porra de um porre

pra ver se passa,
se eu passo,
se este espaço permeado
por tédio interno
se dispersa por aí

e se perde,
ou me pede
pra eu mudar
tudo de novo

11.7.11

pelos caminhos que fiz

um espaço
antes não
vazio
constitui-se
hoje
de nada
mais que uma
imagem
mental,
de antigas
alegrias e
sensações
ainda frescas
entre
meus dedos