31.1.09

desabafo

tem certos dias que as palavras coçam as minhas mãos e as fazem sangrar, e os pensamentos e sentimentos passam tão infinitamente rápido
como de costume
mas não como de costume
eu consigo me agarrar a alguns deles e olhá-los de frente sem entendê-los
mas eles passam pelos meus olhos
e surgem nas minhas mãos
e vazam por entre os dedos
não cabendo
aqui dentro

e a angústia de um dia explodir
de um dia nada disso mais caber
de um dia tudo ter acumulado
e eu
voar
pelos ares
me desespera
e eles começam a vazar mais ainda pelas mãos
e também pelos olhos
e pelo ar que sai num suspiro mais forte do que os pensamentos
e o ar me falta e o chão se vai e o sol se põe e tudo continua sendo tudo

menos eu, que nunca fui nem nunca serei
nem eu nem tudo
e quem sabe nem nada
e eu não sei o que fazer quando acho que vou enfim explodir
eu abafo a explosão com a angústia e espero
o dia em que eu não couber aqui dentro e tiver que explodir
ou implodir


[sobre sobre um surto sincero ausente de público e dotado de sinceridade e melancolia]

a coisa mais bonita do mundo hoje



[texto e vídeo encontrados no blog hoje vou assim]
tem coisas que dispensam a poesia.

o pensador

[aos teoremas de minha vida]
uma vida escalando
degraus
degraus
degraus
degraus
degraus
e quando sentiu
que o ápice
se
apro
xi
ma
va
desabou num piscar de olhos

29.1.09

ofegando

o que entra e sai pelos poros
aumenta
a alma
até ela não caber
dentro do corpo
e o corpo
querendo
outro corpo
a ponto de explodir
faltando
e
sobrando
ar
só encontrando
a medida
certa
quando os corpos
já não cabendo dentro de si
se misturam formando
um único e enorme corpo
onde as almas inchadas
caibam
e
se acalmem

até que as almas procurem seus
próprios
corpos
e encontrem
um pouco do outro
corpo
dentro do seu
no lugar do vazio
que toda alma tem
e então
elas dormem
lado
a
lado

28.1.09

ato falho

os poetas escrevem
e explicam aquilo
que quando surge
não se pode entender;

[da indignação sobre o que poderia ser e o que é amar]

26.1.09

flash

e então comprou com tempo
um relógio que era
do tamanho que ela queria que fosse
e viveu como tinha que ser vivido
pelo tempo que lhe restou

22.1.09

explorando o jornalismo decadente

minha veia jornalista resolveu dar as caras e desta vez eu espero que ela dure, pelo menos, para sempre.

http://decadenciajornalistica.blogspot.com/
http://decadenciajornalistica.blogspot.com/
http://decadenciajornalistica.blogspot.com/

21.1.09

sintonia

como um fio que liga
os pensamentos
aos corações
fazendo de tudo uma coisa só

ligados pela fragilidade
de um fio

20.1.09

vodka:

do céu ao inferno em uma noite [pessimamente dormida].

19.1.09

trabalho de parto

um sol quente com muitas nuvens cinzas, além da brisa suave que jamais aparecia. aquela brisa estava alí, batendo no rosto, e em contato com a pele produzia uma estranha sensação de cócegas. o pensamento parecia um filme colocado na mais alta velocidade, o que a impedia de agarrar a qualquer um dos frames. às vezes parava para refletir sobre esta tal incapacidade de se prender a um pensamento apenas. e também sobre a incapacidade de exteriorizar qualquer imagem ou som visto na tela da cabeça. mas nada disso a incomodava.
no rosto era possível ver aquela leve contração do canto da boca, aquele sorriso que mostra apenas a calma de dentro do coração. os olhos piscavam absurdamente lentos, e cada arfada do peito demorava minutos para se completar. as nuvens cinzas começaram a se dissipar em forma de gotas que pingavam sobre os ombros descobertos, escorriam pelos braços e costas, e a cada momento de contato entre água e pele, a sensação de cócegas do rosto com a brisa era potencializada, e parecia que podia sentir a absorção de parte dos pingos pelos poros.
ela sabia que seu humor estava prestes a chegar no cume, de onde ele sempre se lança abismo abaixo. mas nada disso a incomodava. cada segundo dessa tranquilidade parecia ser colocado cuidadosamente no vazio que está dentro do saquinho da angústia que nasceu com ela, dentro dela. a claridade do dia parecia entrar pelas narinas enchendo os pulmões de belos sons e vozes [indescritíveis como tudo que estava dentro], que se espalhavam por cada vaso do corpo, um dia fragilizado, e naquele momento forte, carregado somento pelo coração.
o único sentimento ruim era a compaixão que sentia pelas outras pessoas, tão cheias de inquietações e medos, sempre tão presentes nela, e tão distantes neste momento. ela queria gritar a todos que não é preciso procurar, está tudo lá, dentro de cada um, ao lado, em cima, em volta. só é preciso enxergar de olhos fechados, só é preciso estar com você mesmo em todos os momentos. queria explicar que é tudo muito maior do que isto apenas, e que nada virá. o tudo já está aqui, nós somos o tudo, o que veio e o que há por vir, mas o mais importante, nós somos o que está agora, e não entendia porque procurar outra coisa tendo tudo nas mãos.
mas não disse nada. continuou andando, sentindo cada pingo de chuva, cada sopro do vento, olhando tudo por trás dos óculos escuros cheios de gotas e sorrindo, esperando que algum qualquer dividisse isso que não cabia dentro dela.

18.1.09

amor de para sempre

um amigo poeta me mostrou um poeta
que dizia alguma coisa como
o que está na idéia
é mais seguro que o real
e eu concordei piamente
nisto até hoje

quando vi
que o pensamento
por um momento
[que às vezes se estende
por uma eternidade]
realmente é
muito mais seguro

mas o real
[que às vezes se estende
por uma respiração]
pode
em um suspiro
menor que uma respiração
ser completamente
inseguro
e
insano
e
imortal

[amor inclui amor e amor]

17.1.09

eterno

num impulso
e numa lágrima
num repente
nunca mais se torna
para sempre

12.1.09

estou grávida

estou gerando um novo ser
aqui dentro
já posso sentí-lo

sinto muita ânsia
chego a vomitar às vezes
tenho vontades estranhas
e algo está crescendo

há tempos ele está aqui
mas nunca havia se manifestado
e agora resolveu chutar
de dentro
para fora
tentando sair logo de mim

minha família não entende
como uma menininha tão ajeitada
engravidou tão cedo

eu não tenho nome ainda
mas conheço pessoas que tiveram bebês bem parecidos
algumas o chamaram de angústia
outras de inquietação
outras de hiperalma

algumas esperaram ele falar
e quando ele falou
o chamaram de filosofia
ideologia
pensamento perdido

eu não tenho nome ainda
mas as pessoas ao meu redor resolveram chamá-lo
de loucura

sobrenome depressão.

subentendimento

- você precisa se encaixar no mundo, precisa aprender a viver não em sociedade, mas NESTA sociedade que vivemos. não precisa de tanta sinceridade assim, não precisa dizer sempre a verdade, toda a verdade, para todo mundo. e a sua sinceridade não é nas coisas que você fala, mas principalmente nas coisas que você sente. não precisa deixar sempre claro o quanto você sente, aprenda a esconder o que está dentro de você.
- então eu preciso aprender a mentir?
- não, você precisa se colocar no lugar das pessoas e pensar no que, se você fosse elas, você gostaria de escutar.
[surto]
- eu gostaria de escutar o que elas sentem, gostaria que elas não me escondessem o que elas sentem.
- mas elas não são você.
- e eu não sou ninguém agora...

[algumas conversas rasgam o peito e mostram que não adianta o quanto você se esforce, o que está dentro de você está só e  definitivamente dentro de você. e o máximo a ser feito é continuar procurando algum sentido para continuar o esforço para a tentativa de se encaixar entre tudo que é o oposto do que você acredita, e escutando que é necessário sonhar e ir atrás do que se acredita - dentro daquilo que já é pré-determinado que se deve acreditar]

aceptação

eu que sempre tentei andar em linha reta e nunca consegui,
procurei padrões para seguir e não achei,
garimpei formas e formatos que só me desencaixavam,
passei cola e tentei grudar um rótulo
numa pela suada de esforço
passei óleo e tentei escorregar para dentro
de alguém, de todos, de ninguém
e acabei dentro de mim mesma;
.
olhando mais de perto,
mais de dentro,
mais adentro
achei meus padrões,
percebi que sou uma curva cheia de encruzilhadas,
minha alma se encaixa no meu corpo
e o incômodo é que não me pertence;
aqui dentro está escuro,
mas quando olho para fora,
a escuridão é muito maior.

8.1.09

memória:

aquilo que [por sorte ou destino] continua como sempre foi;

6.1.09

gramática

nós que antes era pronome único já não é mais pronome. cheguei a pensar que os pronomes tinham desaparecido e ele ou tu não significassem mais nada. as frases já não tinham sentido, já que o nós não existia e os outros não tinham sentido. achei a nossa língua completamente ineficaz. e sem professores tive que reaprender o sentido do pronome eu. e foi muito pior do que quando pequena, foi muito difícil. além de ineficaz, nossa língua era complexa demais. aprender o nós foi rápido e fácil. difícil é desaprender. e depois de ver sentido nos outros pronomes, eu já não sei mais onde usar o nós. ele continua no pequeno quarto, dormindo. talvez volte a fazer sentido, talvez eu tenha que reinterpretá-lo. talvez o tempo me ajude a usá-lo novamente.
enquanto isso o eu ocupa quase todo meu vocabulário... além do pretérito-completamente-imperfeito.

5.1.09

tarja preta

mãos no bolso
no cabelo
no cigarro
no isqueiro
no cabelo novamente

coça a nuca
o pescoço
a palma da mão
as coxas
o rosto

mais um cigarro
a outra no bolso
troca as mãos
coloca na bolsa
e toma um calmante

4.1.09

cota de teletransporte

com direito a um por dia - de ida e volta, claro -, mas somente com o adicional uma refeição completa por dia, e que ninguém saiba do novo poder;

gênio?

2.1.09

primeira parte

ninguém contou os últimos dez segundos, os fogos foram espaçados e fracos, absolutamente silenciosos. o celular, como em todo ano, não funcionava. quase não deu tempo de chegar na orla. ninguém mais leva a sério a tradição das cores.
um frisante gostoso, sem taças, sem nada. duas pessoas que em nenhum momento de todo o ano imaginei que estariam comigo nos últimos momentos. e não poderiam ser outras, tinha que ser elas.
e o mais incrível de tudo: nada de choro. anos e anos passando os primeiros segundos do ano chorando, e dessa vez, as lágrimas não vieram. só um calorzinho no peito de que dessa vez sim vai dar tudo certo, como foi no último dia do anterior e vem sendo nos primeiros desse. tudo muito certo, ou pelo menos como tudo deveria ser.