28.7.08

cantiga da mutilação

e eles se bateram tanto e se agrediram tanto que não tinham mais forças para mover-se. e mesmo assim ela conseguiu, com seu penúltimo suspiro, esfaqueá-lo, bem rente ao coração. o incrível foi o esforço sem o mínimo de culpa com que ela o fez. ele a olhou, ela simplesmente levantou e correu. não sabia de onde tirava forças, mas correu.
logo ao amanhecer, ele, ferido e sozinho, que passara a noite toda a procura dela, ferida e sozinha, naquele frio de cortar peles, achou um corpo. seus cabelos negros tocavam-lhe a face com uma delicadeza jamais vista. ela ainda respirava, com muita dificuldade. ele havia trazido chá para enfrentar a noite congelante. abriu a sua boca e despejou, com muito cuidado, o chá já morno da garrafa.
e então carregou o corpo gelado por estradas e florestas até chegar à sua casa. delicadamente repousou seu corpo sobre o sofá, deixou-se cair ao lado, e lá ficaram, sozinhos, esperando que algo pudesse salvá-los deles mesmos.
e assim foi, pela última vez, diria ela. cuidaram dos ferimentos um do outro e se abraçaram como se desta vez fosse definitivamente a última vez que se machucariam de tal forma.
ela se foi, ele ficou. ambos acreditando que precisam somente um do outro para viver, e de nada mais.

22.7.08

21.7.08

cuidar de quem deveria (cuidar)

arrumar as malas, o que colocar dentro? roupas, meias, uma blusa e a vida. eu sei que fugir é fugir, a vida continuará a me acompanhar. mas que tal um recomeço? anos de crescimento que poderiam ser levados a zero, mais uma vez. dinheiro pra passagem e pros cigarros. deixar em cima da cama um bilhete de desculpas e adeus, além do egoísmo de não me importar com quem fica. em meio a tanta bagunça, o pensamento paradoxal de final e começo se juntam formando um caminho.
mas nada importa. a coragem ficou em alguma caixa impossível de ser encontrada. só achei o conformismo. procurei a saída, mas temo que esteja na mesma caixa da coragem.
e agora melhor acender um cigarro e ligar a tevê, a insônia está na sala, impaciente pela minha companhia.

17.7.08

fuga nº 10 (da semana)

no vento gelado do alto
as mangas sujas de rímel
esmagam o estômago
e apertam os pulmões

no medo do alto do vento
o rímel suja o estômago
e esmaga as mangas
apertando as mãos

as mangas no alto do medo
apertam o rímel
esmagam as mãos
sujando o coração
já imundo de vento

16.7.08

romance clichê

eu te defendo
você me protege
e pensamos sem falar
e falamos sem pensar
e assim é
o nosso amor sem cama

13.7.08

à beira

mandíbula trava, mãos retorcem
e torcem e rezam
para que logo
o inferno se transporte
de dentro para fora
e para longe
antes que o fogo queime
e a faca corte
além de tudo
o que resta
de consciência.

8.7.08

síndrome do pânico

respira fundo
respira mais fundo
chora
desgraça
chora desgraça
chora as desgraças
seca as lágrimas
secam-se as lágrimas


tontura, tontura, tontura
suor suor suor suor suor
seca as mãos
tontura tontura tontura
se tranca
destranca
espaço aberto
espaço fechado
desespero desespero desespero
tudo preto
tudo branco
surdez


senta
levanta
respira fundo respira fundo


respira
prende o ar
se acalma
dorme
acabou.
feche os olhos,
sinta o frio,
o sol quente,
esqueça
de tudo que prometemos
de tudo que te falei
de tudo que vivemos,
o melhor é esquecer

isso já não me mantêm aquecida.

6.7.08

freaky and surprise show

apagam-se as luzes
acendem-se os olhos
abrem-se as cortinas
o espetáculo vai começar
...
e ao final,
o gosto poderia ser comparado
ao de decepção
caso alguma coisa importasse
no espetáculo sem fim.
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IGGY POP, casal no sofá, apenas a tevê iluminando. ela com cara de passada, ele com cara de expectativa (ainda?). ele quer acabar o que começou, de uma forma ou de outra. ela quer acabar com tudo, de uma vez por todas. ela é indiferente, e ele não é nada diferente do já conhecido.
ela não se importa, seja lá o que acontecer, será completamente indiferente.
ela não se importa.

4.7.08

jovem apaixonada morre
de amor.

3.7.08

(auto)mentira

o telão ainda aceso
a sala ainda cheia
os olhos ainda marejados
o cheiro ainda impregnado
fingindo não se importar

se o final será feliz

a menina continua a sorrir

1.7.08

semelh-ânsia

tudo escuro
abre os olhos
o mesmo escuro
olha direito
um monte de gente
com cara de palhaço
olha direito
nariz vermelho
maquiagem colorida
olha o espelho

nariz vermelho
maquiagem colorida
igual ao monte de gente