28.7.08

cantiga da mutilação

e eles se bateram tanto e se agrediram tanto que não tinham mais forças para mover-se. e mesmo assim ela conseguiu, com seu penúltimo suspiro, esfaqueá-lo, bem rente ao coração. o incrível foi o esforço sem o mínimo de culpa com que ela o fez. ele a olhou, ela simplesmente levantou e correu. não sabia de onde tirava forças, mas correu.
logo ao amanhecer, ele, ferido e sozinho, que passara a noite toda a procura dela, ferida e sozinha, naquele frio de cortar peles, achou um corpo. seus cabelos negros tocavam-lhe a face com uma delicadeza jamais vista. ela ainda respirava, com muita dificuldade. ele havia trazido chá para enfrentar a noite congelante. abriu a sua boca e despejou, com muito cuidado, o chá já morno da garrafa.
e então carregou o corpo gelado por estradas e florestas até chegar à sua casa. delicadamente repousou seu corpo sobre o sofá, deixou-se cair ao lado, e lá ficaram, sozinhos, esperando que algo pudesse salvá-los deles mesmos.
e assim foi, pela última vez, diria ela. cuidaram dos ferimentos um do outro e se abraçaram como se desta vez fosse definitivamente a última vez que se machucariam de tal forma.
ela se foi, ele ficou. ambos acreditando que precisam somente um do outro para viver, e de nada mais.

Um comentário:

Unknown disse...

como se tivesse arrancado as palavras de mim.